04 junho 2006

As vazantes das margens do Rio



Se o Egito é uma dádiva do Nilo, eu não chego a dizer que São João é uma dádiva do Rio Jaguaribe, mas afirmo que São João recebe dádivas desse Rio. A cheia no inverno, que gera desabrigados e causa inúmeros transtornos a população, é a mesma que torna a areia fértil, onde sua margem se torna a fonte de subsistência de muitas famílias, nelas se estendem plantações de feijão e melancia.
Um verdadeiro exercício era correr por essas plantações, várias "covas" juntas uma da outra, não poderíamos pisar nos brotos que nasciam, tínhamos que desviar para não causar prejuízo ao dono da "vazante", ali estava, muitas das vezes, a fonte de seus rendimentos, da sua sobrevivência, mas menino não pensa muito nisso, queria mesmo era pular, se desviar dos buracos. Na verdade, onde antes poderia estar a areia numa paisagem desértica, infértil, estava o verde, a vida. E eu,menino, pulava, saltava, na areia, no verde, no Rio.

26 novembro 2005

Futebol na areia do Rio


Damião, Raimundo Nonato, Cláudio de Eni, Eu, Charles, Roni, a galera da Vila São Vicente e uma outra que vinha da Bela Vista, os filhos ou acompanhantes das lendárias lavadeiras do Rio Jaguaribe, o plantel tava formado, menino não faltava, briga também, mas todos estavam ali, na areia do Rio, em torno de algo comum, a bola. Que menino naquela cidade nunca jogou nas escaldantes areias do Rio Jaguaribe? Somente os que não tinham aptidão mesmo, e até esses se arriscavam. Na verdade tudo era propício, uma verdadeira arena para descarregar as energias da molecada, espaço suficiente, água a vontade para refrescar do calor, e a já nascente paixão pelo futebol, inspirados por Zico, Maradona e Cia.
A melhor bola para jogar nas areia era a “dente de leite”, era mais pesada e o vento resistia mais ao vento, mas também ardia que era uma beleza, levar uma bolada era vermelhidão na área por três dias, mas fazia parte do jogo. As traves eram forquilhas enterradas na areia, e o campo não tinha o rigor de um retângulo perfeito, mas rapidinho a meninada delimitava o teatro de operações arrastando os pés, marcando assim as laterais. Ali não foi somente as melhores partidas da minha vida, mas foi o melhor de uma parte de minha vida, nem imaginava que aqueles momentos iam ficam marcados para sempre.
O time se desfez, aqueles que ali jogavam e se banhavam, hoje estão em diferentes campos, jogando o jogo da vida, e daquele tempo bom, guardo nas areias da lembrança, mergulhado no cantinho do passado, essa doce recordação e a satisfação de ter vivido, suado, corrido às margens do Jaguaribe.

15 julho 2005

Ao cair da tarde

Postagem de referência: Não se apaga da lembrança




De tarde eu quero descansar, chegar até a praia e ver
Se o vento ainda está forte
E vai ser bom subir nas pedras
Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora

(Renato Russo – Vento no litoral)

A tardinha, o escaldante sol, que reina soberano no céu azul do sertão, dava uma trégua, momento ideal para um encontro, um encontro com a natureza, um encontro com o Criador, um encontro consigo mesmo.
Olhar o arrebol das margens do Rio Jaguaribe, proporcionou-me os primeiros momentos conscientemente contemplativos na minha vida, era a mistura de cores e vida, do meu presente e a ansiedade do futuro. Nessa época já morava em Fortaleza e somente nas férias tinha essa oportunidade, já que na infância esses momentos eram vividos de formas diferentes, nada de preocupação, nada de futuro, somente a aquarela no horizonte, as revoadas dos pássaros para o descanso nos seus ninhos e a brisa suave e fria que me tocava a face. Mas agora era diferente, e concordo com o poeta quando diz que:
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender... (Fernando Pessoa)

A alma estava vestida, e esses momentos propiciavam naturalmente para reflexão, como é chato ficar adulto e pensar na vida, e ali no cair da tarde, sob o vermelhidão do céu, meditava sobre o meu futuro incerto, minhas possibilidades, meus sonhos, e parte do que sou hoje, é fruto daqueles momentos. Escurecia, e as primeiras picadas das muriçocas era o sinal para retornar, era o fim, era o alerta. Desperta desse estado, porque é muito para a sua juventude, volta e descansa, o tempo ainda te é favorável. E ainda hoje, distante do Rio, de tarde eu quero descansar, chegar até a praia e ver...

13 julho 2005

O banho no Rio Jaguaribe

Postagem de Referência: Não se apaga da lembrança



O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta por onde escorre e se perde o sangue do Ceará. O mar não se tinge de vermelho porque o sangue do Ceará é azul ... (Demócrito Rocha)

Nove horas da manhã, esse era o horário mais comum.
Já na porta da rua , de corpo fora, saindo, estratégia para não ter que dá mais explicações, porque apesar de morar bem próximo ao Rio, minha não me liberava fácil, tinha medo que os pivetes maiores me afogasse nas brincadeiras, o grito ecoava dentro da casa:
_ Mãeeee!, tou indo pra o riiiio!
Esperava um pouquinho para ouvir a resposta, quase sempre deixava, mas tinha medo, afinal era o filho mais novo e tinha que ter zelo.
Tudo certinho, liberado, seguia o meu destino, alegre que nem pinto em monturo(1), magrinho, cabeçudo, cabelos corridos, corria por trás das casas da Vila São Vicente, o único obstáculo era a cerca de arame no curral do seu Froton. Mas a cerca não era problema, porque ali era uma passagem que dava acesso para quem se dirigia ao Rio, e para passar a cerca, os engenheiros sertanejos inventaram o “passadiço”, que eram tocos (geralmente de carnaúba) fincados no chão em forma de degrau nos dois lados da cerca, e dessa forma, tornava-se fácil transpor a cerca rapidinho, as vezes nem precisava utilizar dessa engenharia, baixava um fio de arame, rasgava as costas no farpado e atravessava do mesmo jeito.
Passou a cerca, pronto! A frente o Rio e sua paisagem fenomenal, suas vazantes, com plantações de feijão, as moitas e os seus preás, os sítios na outra margem e um imenso banco de areia, que te convidava a correr, a pular, a se jogar nela, sem limites, sem dor, sem medo, porque se existe uma sensação de liberdade, essa era uma: correr descalço pela a areia branca daquele Rio, sentir o vento batendo na sua face e pular como louco naquelas águas.
Não posso omitir a lendária figura das lavadeiras e seus painéis de roupas a corar. Protegidas por farrapos, chapéus ou tocas na cabeça, sentadas as margens, com cassetetes e sabão a mão, eram verdadeiras máquinas, rapidamente lavavam suas trouxas de roupas entre risadas, brincadeiras e fofocas.
As águas do Rio eram rasas e claras, a criançada podia brincar a vontade, poucos eram os pontos mais profundos, podia-se atravessar tranqüilamente para a outra margem. E nessas águas mansas, incansáveis eram os mergulhos, as tainhas(2) e com um certo tempo, desafiando o medo, o salto-mortal de cima da estiva(3). E assim o tempo passava, docemente passava, até a hora do almoço, hora de retornar para casa. E assim o tempo passou, e agora estou aqui, lembrando desse tempo e mergulhando nesse passado.

lavadeiras



Estiva (Ao fundo a Igreja Matriz da cidade de São João do Jaguaribe)

Conheça mais sobre o Rio Jaguaribe

1. Monturo: local onde se deposita lixo;
2. Tainha: na verdade tainha é um peixe, mas a tainha que me refiro, era saltar e cair de bico na água; 3. Estiva: ponte de madeira que liga as margens do Rio.

11 julho 2005

Não se apaga da lembrança





Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!


Casimiro de Abreu
Inúmeras vezes me peguei pensando nessas coisas, quantas vezes não me projetei no passado e revivi momentos da minha infância, uma coisa mágica, um sonho inacabado, uma espécie de paraíso perdido que ficou para trás. Lembranças saudosas que tomam conta do presente e me eleva a uma sensação gostosa de sentir, acredito que todos sentem isso, ainda mais quando se chega a fase adulta, em tempos como esse, conturbado, perigoso, inseguro, de relações superficiais, de luta para sobreviver, nesse quadro, o curto tempo em que vivi na infância, numa pacata cidade no interior do Ceará, se tornam momentos majestosos, inesquecíveis, bons de se lembrar, que fazem bem para a alma, uma terapia eficaz para mim.
São João do Jaguaribe, situada no Vale do Rio Jaguaribe, no interior do Ceará. Uma cidade pequena, pacata, onde todos praticamente se conhecem, um povo educado, coisa de sertanejo, uma região que não se distingue muito do interior nordestino, com as mesmas desigualdades e mazelas sociais, mas com um diferencial, uma cidade que não carece do abastecimento de água, pois fica às margens do Rio Jaguaribe, um rio perene, que fornece água abundante para o consumo residencial, como também para irrigação dos plantios nas propriedades próximos as suas margens, uma verdadeira riqueza.
Vou me propor a escrever aqui, só não sei em que freqüência e seqüência, relatos desse período, um verdadeiro resgate na memória, de parte da minha história. No momento, esses são relances, “flash” saudosistas que tenho na mente e que tentarei rebuscar:

Exercício saudável.

Testemunhas


As estrelas são testemunhas,
elas podem afirmar,
pois viram
no cenário encantador
nascer a paixão adolescente,
brotar no coração inseguro
o desejo de um amor eterno.

Eram elas que brilhavam no céu,
eram de suas luzes, o brilho do nosso olhar.
Lembro-me ainda, claro e saudosamente,
daquela noite estrelada,
céu aberto,
lua cheia,
todos os dias elas estavam lá a nos espreitar,
mas somente naquele dia
tivemos a sensibilidade de as admirar,
naquele dia tivemos a ousadia de despertar.

10 julho 2005

Direito Homenitário






Não quero polemizar, nem afrontar as mulheres, mas está escrito no Código dos Direitos dos Homens, seja qual for o seu estado civil, que nós homens temos direito, no mínimo, de jogar uma peladinha na semana. Pra alguns "pelada", no Ceará é o "rachinha", aqui em Recife a turma denomina "o baba", outros correr atrás da redonda, não importa o nome, é o velho futebol, que tá na alma do brasileiro, e que virou direito essencial requerido pelos homens.
Brincadeiras a parte, o futebol funciona pra mim como uma excelente terapia.. O "baba" só faz bem para o coração, vejam: você perde calorias, você grita, extravasa, rir. Todos os dias, por esse mundão chamado Terra, que é uma bola, em todos os horários, tem uma turminha reunida para bater aquele futebol, onde todos são craques, onde todos são técnicos, unidos pela mesma paixão, a bola. Toda Sexta-feira às 20:00 hs, esse é o meu dia, o tão esperado dia. Mas o futebol é só um detalhe, porque bom mesmo é o "pós baba". O "pós baba" é o momento mais propício para uma boa conversa com seus amigos, não existe nada melhor, as vezes é o único tempo disponível para os seus camaradas é esse. Hoje sinto falta de alguns amigos que estão distantes, justamente aqueles que nunca mais tive a oportunidade de conversar após "o baba", vejo que tou mais solitário, pois não os tenho nesses momentos, falo especificamente do Iran e também do Paulo. Confesso que esses dois camaradas fazem falta. Espero um dia ainda poder compartilhar boas conversas com eles. Mas é isso aí, o futebol que nos faz bem. VIVA O BABA! O RACHINHA! O FUTEBOL nosso de cada dia.