

Postagem de referência: Não se apaga da lembrança
De tarde eu quero descansar, chegar até a praia e ver
Se o vento ainda está forte
E vai ser bom subir nas pedras
Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora
(Renato Russo – Vento no litoral)
A tardinha, o escaldante sol, que reina soberano no céu azul do sertão, dava uma trégua, momento ideal para um encontro, um encontro com a natureza, um encontro com o Criador, um encontro consigo mesmo.
Olhar o arrebol das margens do Rio Jaguaribe, proporcionou-me os primeiros momentos conscientemente contemplativos na minha vida, era a mistura de cores e vida, do meu presente e a ansiedade do futuro. Nessa época já morava em Fortaleza e somente nas férias tinha essa oportunidade, já que na infância esses momentos eram vividos de formas diferentes, nada de preocupação, nada de futuro, somente a aquarela no horizonte, as revoadas dos pássaros para o descanso nos seus ninhos e a brisa suave e fria que me tocava a face. Mas agora era diferente, e concordo com o poeta quando diz que:
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender... (Fernando Pessoa)
A alma estava vestida, e esses momentos propiciavam naturalmente para reflexão, como é chato ficar adulto e pensar na vida, e ali no cair da tarde, sob o vermelhidão do céu, meditava sobre o meu futuro incerto, minhas possibilidades, meus sonhos, e parte do que sou hoje, é fruto daqueles momentos. Escurecia, e as primeiras picadas das muriçocas era o sinal para retornar, era o fim, era o alerta. Desperta desse estado, porque é muito para a sua juventude, volta e descansa, o tempo ainda te é favorável. E ainda hoje, distante do Rio, de tarde eu quero descansar, chegar até a praia e ver...
Postagem de Referência: Não se apaga da lembrança
O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta por onde escorre e se perde o sangue do Ceará. O mar não se tinge de vermelho porque o sangue do Ceará é azul ... (Demócrito Rocha)
Nove horas da manhã, esse era o horário mais comum.
Já na porta da rua , de corpo fora, saindo, estratégia para não ter que dá mais explicações, porque apesar de morar bem próximo ao Rio, minha não me liberava fácil, tinha medo que os pivetes maiores me afogasse nas brincadeiras, o grito ecoava dentro da casa:
_ Mãeeee!, tou indo pra o riiiio!
Esperava um pouquinho para ouvir a resposta, quase sempre deixava, mas tinha medo, afinal era o filho mais novo e tinha que ter zelo.
Tudo certinho, liberado, seguia o meu destino, alegre que nem pinto em monturo(1), magrinho, cabeçudo, cabelos corridos, corria por trás das casas da Vila São Vicente, o único obstáculo era a cerca de arame no curral do seu Froton. Mas a cerca não era problema, porque ali era uma passagem que dava acesso para quem se dirigia ao Rio, e para passar a cerca, os engenheiros sertanejos inventaram o “passadiço”, que eram tocos (geralmente de carnaúba) fincados no chão em forma de degrau nos dois lados da cerca, e dessa forma, tornava-se fácil transpor a cerca rapidinho, as vezes nem precisava utilizar dessa engenharia, baixava um fio de arame, rasgava as costas no farpado e atravessava do mesmo jeito.
Passou a cerca, pronto! A frente o Rio e sua paisagem fenomenal, suas vazantes, com plantações de feijão, as moitas e os seus preás, os sítios na outra margem e um imenso banco de areia, que te convidava a correr, a pular, a se jogar nela, sem limites, sem dor, sem medo, porque se existe uma sensação de liberdade, essa era uma: correr descalço pela a areia branca daquele Rio, sentir o vento batendo na sua face e pular como louco naquelas águas.
Não posso omitir a lendária figura das lavadeiras e seus painéis de roupas a corar. Protegidas por farrapos, chapéus ou tocas na cabeça, sentadas as margens, com cassetetes e sabão a mão, eram verdadeiras máquinas, rapidamente lavavam suas trouxas de roupas entre risadas, brincadeiras e fofocas.
As águas do Rio eram rasas e claras, a criançada podia brincar a vontade, poucos eram os pontos mais profundos, podia-se atravessar tranqüilamente para a outra margem. E nessas águas mansas, incansáveis eram os mergulhos, as tainhas(2) e com um certo tempo, desafiando o medo, o salto-mortal de cima da estiva(3). E assim o tempo passava, docemente passava, até a hora do almoço, hora de retornar para casa. E assim o tempo passou, e agora estou aqui, lembrando desse tempo e mergulhando nesse passado. lavadeiras
1. Monturo: local onde se deposita lixo;
2. Tainha: na verdade tainha é um peixe, mas a tainha que me refiro, era saltar e cair de bico na água; 3. Estiva: ponte de madeira que liga as margens do Rio.
Não quero polemizar, nem afrontar as mulheres, mas está escrito no Código dos Direitos dos Homens, seja qual for o seu estado civil, que nós homens temos direito, no mínimo, de jogar uma peladinha na semana. Pra alguns "pelada", no Ceará é o "rachinha", aqui em Recife a turma denomina "o baba", outros correr atrás da redonda, não importa o nome, é o velho futebol, que tá na alma do brasileiro, e que virou direito essencial requerido pelos homens.
Brincadeiras a parte, o futebol funciona pra mim como uma excelente terapia.. O "baba" só faz bem para o coração, vejam: você perde calorias, você grita, extravasa, rir. Todos os dias, por esse mundão chamado Terra, que é uma bola, em todos os horários, tem uma turminha reunida para bater aquele futebol, onde todos são craques, onde todos são técnicos, unidos pela mesma paixão, a bola. Toda Sexta-feira às 20:00 hs, esse é o meu dia, o tão esperado dia. Mas o futebol é só um detalhe, porque bom mesmo é o "pós baba". O "pós baba" é o momento mais propício para uma boa conversa com seus amigos, não existe nada melhor, as vezes é o único tempo disponível para os seus camaradas é esse. Hoje sinto falta de alguns amigos que estão distantes, justamente aqueles que nunca mais tive a oportunidade de conversar após "o baba", vejo que tou mais solitário, pois não os tenho nesses momentos, falo especificamente do Iran e também do Paulo. Confesso que esses dois camaradas fazem falta. Espero um dia ainda poder compartilhar boas conversas com eles. Mas é isso aí, o futebol que nos faz bem. VIVA O BABA! O RACHINHA! O FUTEBOL nosso de cada dia.